João Carlos



Conheci João Carlos a mais ou menos 2 anos atrás, na estão do 50 na Gare do Oriente. Na altura tinha 13 anos, morador na Damaia, procurava forma de voltar para casa. Sem passe, nem dinheiro para pagar o bilhete, não sabia muito bem como poderia voltar para casa.

Comecei a falar com ele, porque acha muito estranho o facto de estar aquela hora ainda fora de casa e sozinho. Saia eu do cinema com a minha namorada e sentamos para esperar pela camioneta. Quando questionei o que fazia João Carlos fora de casa a 00 horas, ele contou-me que tinha discutido com a mãe e como acto de afronta decidiu sair de casa com alguns amigos, amigos esses que ela o tinha proibido de andar.

João Carlos era um típico exemplo de adolescência e os seus conflitos sociais e ideológicos. Pelo que me contou, o "puto" era educado por pais, que muito embora vivessem num bairro que carrega um pesado historial de "bairro problemático" tentavam passar o melhor que podiam ao único filho. De pai doente, hospitalizado na época, a mãe representava o ponto forte da casa. O J. C. é um puto de bom fundo, bom coração, mas que estava entre o que seus pais diziam e o que vivia fora de casa.

A briga naquele dia começou porque a mãe não queria que J. C. brincasse com os miúdos do bairro, e um dos motivos que a mãe alegou, foi o facto de serem miúdos negros do bairro. Ora, J. C. para mentalidade que possui é inaceitável essa justificação, então ele perguntou:

- Acreditas que a minha mãe é racista?! - J. C.

- Eu respondi-lhe: J. C., o problema da tua mãe não está na cor, mas sim no facto de estarem a viver numa zona onde muita coisa que ela vê não gosta, ela não gostaria que tu te desvia-ses da educação que ela te dá. A a cor é tão somente a forma como ela viu para poder criar um subconjunto das coisas de que ela não quer que tu aprendas, porque é mais fácil fixar qualquer particularidade que te distingue das outras pessoas, e neste mais fácil seria pela cor, visto que sabemos que também há brancos que também não são boa companhia, seria mais difícil para ela distinguir por algo que vos diferencia-se.

- J. C. espantado com a resposta, e retorquiu : Mas eu não faço nada do que eles fazem.
- Respondi-lhe: Mas isso a tua mãe não sabe, é necessário transmitir esta confiança a tua mãe. Sei que nesta altura queiras marcar um espaço teu na sociedade, perante os teus amigos, mas lembra-te sempre, "OS TEUS PAIS SÃO OS TEUS MELHORES AMIGOS". E o facto de andares por exemplo com amigos que roubam, mesmo que não o faças as pessoas vão pensar que sim, e pode acontecer que a polícia até te implique pensando que também fazes parte do bando.

J. C. contou-me alguns problemas que enfrentava, o duelo entre casa e a escola, em que era gozado de betinho por estar sempre muito arranjado, não era mau rapaz, mas era propenso em meter-se em alhada pelo seu desejo em tentar coisas novas. Para evitar o gozo na escola, J. C. decidiu pegar o ténis novos que os pais ofereceram e dar um aspecto, podemos dizer, "DREAD". Hehehe, fez-me lembrar eu e as minhas experiências cientificas hehehe. Naturalmente que os pais ficaram chocados quando viram os ténis.

Expliquei ao J. C. que é mais que natural nesta fase da idade dar ouvidos aos amigos nesses aspectos, mas que ele tem que lembrar cada vida é uma invidualidade, naquele momento passou alguém com um traje muito estranho, e eu perguntei o que achava do personagem. J. C. deu a sua opinião relativamente ao personagem, com conotação depreciativa. Então disse-lhe, tudo isso que a tu dissestes é o que os teus pais não querem que os outro digam sobre ti, por este motivo vestem-te de "betinho", hás-de aprender que a forma como te apresentas vestido perante as pessoas, vai reflectir como estas te vão tratar, mas tudo tem seu tempo.

Disse ao J.C. também, que deve confiar mais nele mesmo e nos pais. Disse-lhe que se der ouvidos aos pais terá a certeza que pelo menos algum futuro terá.

J.C. disse algo que nunca esperei:

- Epa, vais dar um granda pai.

Confesso, fiquei contente em ouvir, senti um calafrio, mas foi do melhor elogio que já recebi até hoje. Só quero ver se quando tiver filhos, eles vão achar o mesmo....hehehehe... geralmente não. Hahahahaha.

J.C. contou-me que costumava estar num grupo da igreja, e que enquanto esteve lá a vida corria melhor, não se metia em confusões, estava mais sereno, mas que depois afastou-se por causa de o chamarem betinho na escola. Eu perguntei-lhe, porque motivo dava importância a quem dele e nada sabe, em vez de ouvir aqueles que lhe querem bem, e também porque motivo ele tem que agradar os outros, se a vida dele a ele pertence. Fiz-lhe reflectir porque razão a mãe que luta para lhe dar tudo de bom não é amiga dele, e outros que somente brincam, ou cozam com ele merecem mais atenção.

J.C chegou ao ponto que eu queria que ele visse, depois de algum silêncio, ele disse:

- Preciso de ajudar a minha mãe, porque o meu pai está muito doente. Eu não devia ter saído de casa assim, porque agora ela deve estar preocupada, e vai pensar que algo de mal me aconteceu. Juro que nunca mais volto a fazer isso.
Eu disse-lhe:
- Muitas vezes as restrições dos nossos pais não são porque não gostam de nós, mas, por gostarem muito, têm sempre o medo que façamos a escolha errada. O problema é que nem sempre eles sabem dizer isso da forma que os filhos passam entender.
Já era tarde e por isso o 50 já tinha passado, decidimos apanhar então a camioneta 210.............. GRANDA SECA. Naquela noite parecia um tour por Lisboa, pois o percurso da camioneta era muito longo, para além de passar por zonas muito estranhas para mim. Foi duro o suficiente para J. C. começasse a sentir saudades da casa e da caminha. Assim que conseguiu um lugar para sentar J. C. adormeceu.

Enquanto J. C. dormia, ia conversando sobre ele com a minha namorada, na altura:

Eu: Sabes, boa parte dos problemas na adolescência vem exactamente dos diferentes conceitos de valores sociais. Das diferenças do que se vive em diferentes meios, igreja, casa, grupos, escola etc. Todo jovem tenta encontrar uma forma de se afirmar perante alguém ou algum grupo.

Chegamos a Cais do Sodré! Finalmente!. Acordei J.C. e disse-lhe que tínhamos que ver uma forma de o fazer ir para casa era quase 2 da manhã. Telefonamos ao 112 a pedir por policia, mas antes tivemos que convencer J.C quer era melhor. O rapaz tinha medo da bófia, como ele chamou. De facto, de certa forma ele bem tinha as suas razões. A polícia a apareceu alguns minutos depois, e com uma cara de quem não vai ao W.C., como se quisessem intimidar.

Muito calmamente explicamos a situação, e o agente dizia que esse não era trabalho dele que eles não eram taxi. Então dissemos-lhe (eu e a namorada): "Então o rapaz vai ficar aqui na rua, porque se não servem para isso ao menos, para quê a polícia então, até porque faz parte do trabalho de qualquer policia no mundo.". Só assim decidiram levar o J.C. a esquadra e telefonar a mãe dele para o ir buscar.

No dia seguinte, de manhã, às 8h00, recebo um telefonema, era a mãe do J.C.. Telefonou para agradecer o facto de ter ajudado o miúdo. Estava muito feliz, disse que J.C quando a viu, abraçou e disse:
"Amo-te tanto mãe, nunca mais volto a fazer isso, encontrei um senhor que me ajudou e conversou muito comigo."

A mãe disse que deu um copo de leite a J.C. e ele foi dormir um bocado, porque ainda estava cansado.

Foi um início do dia bom, saber que de alguma coisa valeu a conversa que tive com J.C.. Gostei muito do miúdo, tem muito bom fundo, tem uma mente muito sã, mas que precisa ser moldada correctamente. Também precisa de falar com pessoas com outro carácter e maturidade, é de certa forma uma criança precoce, já mostra necessidades mais avançada do que um rapaz da idade dele.

Boa sorte João Carlos, espero que o futuro te reserve o melhor.

Comentários

Anónimo disse…
Hum, estou de coração apertadinho!

Nao esperava outra coisa de ti. Fico muito contente por ele te ter encontrado no momento certo.

:o) admiro-te muitoooooo...

Até eu gostava de ter um pai como tu para ouvir as tuas historias sabias :oP (sabes que as adoro!!).